Nos últimos meses lembrei-me frequentemente desta escritora que tanto marcou a minha complicada adolescência, esta foi um tempo em que sentia-me muito isolado e incompreendido pelas pessoas ao meu redor, e tinha a sensação de ser a única pessoa no mundo a sentir-se tão "fora de onda".
Até que um bom dia do ano 1997, por uma casualidade do Universo, o livro de Valérie Valère chegou às minhas mãos e senti-me totalmente identificado com ela: "por fim mais alguém com uma sensibilidade similar à minha" pensei, na altura o senti quase como um milagre.
A minha impressão foi ainda maior quando comecei ler sobre a vida de Valérie, e descobri que ela também tinha tido uma família "melhorável", na escola era tímida e calada como eu, e tinha dificuldade para ser aceite pelos seus colegas de turma, mesmo tentando fazer o seu melhor, era óbvio que tinham coisas bem diferentes na cabeça e no coração.
A história era-me demasiado bem conhecida, para mim sempre foi óbvio que a causa da sua adolescência tão complicada foi que sempre esteve sozinha intimamente porque as pessoas do seu entorno tinham uma forma de ser e sentir demasiado diferente à dela.
Às vezes é possível sentir-se sozinho mesmo estando rodeado de muita gente, a afinidade espiritual é algo que se tem ou não se tem.
Naquela altura, com 18 anos, quando olhava as suas fotos e vídeos via nela a namorada perfeita para mim, imaginava que nos apoiaríamos mutuamente para sobreviver juntos num mundo que eu achava extremamente hostil para a gente como nós.
Hoje, com 40 anos, depois de ter sobrevivido sozinho a maior parte deste tempo, vejo nela mais bem a filha que teria gostado de ter e nunca tive, e imagino que a poderia ensinar tudo o que aprendi nestes anos, para que não caia nos mesmos erros onde Valérie e eu caímos.
No fundo tudo se pode resumir em que as pessoas sensíveis, se ficamos sozinhas e isoladas, quase sempre terminamos mal, no caso de Valérie. depois de conseguir fugir do psiquiátrico, da anorexia, da casa dos seus pais e da universidade, terminou por cair na depressão, nas drogas e arranjar com um rapaz com quem, aparentemente, não encontrou o apoio que procurava.
Estes são eles no monte Saint Michel, por volta do ano 1980:
Pouco depois, com só 21 anos, morreria por ingestão de soníferos na casa onde morava sozinha, os jornais disseram que foi a causa de não ter sido compreendida, imagino que não encontrou ninguém com quem falar das suas ideias e sentimentos de maneira sincera e natural, algo ainda mais difícil hoje do que então:
Pode parecer uma história excepcional, mas não é, de acordo a dados oficiais, só no ano 1999, em Espanha, diagnosticaram-se 80.000 novos casos de anorexia e suicidaram-se por volta de 4000 pessoas (1 de cada 4 menores de edade).
Hoje, no ano 2019, os jovens mudaram o nome do país, agora o chamão "Espanhistão", o livro de Valérie há 16 anos que não está nas livrarias, e pouca gente acredita nas estatísticas oficiais.
Casualmente, há também 16 anos que tomo conta dos dois únicos sites web em Internet dedicados a Valérie: em espanhol e francês, assim é que não podia deixar de escrever algo sobre ela também em português.
Embora gostaria de fazer muito mais, é o meu pequeno grão de areia para tentar ajudar a toda a gente como Valérie e eu; as pessoas, quando estamos sozinhas, somos muita pouca coisa, mas umas linhas escritas desde o fundo do coração podem fazer uma grande diferença ;-)